sábado, 27 de setembro de 2014

UM TEXTO DE MARA INEZ LUDWIG VALIO: TURISMO CEMITERIAL

O tema escolhido pode não ser dos mais amenos, contudo, o turismo de cemitérios tem crescido muito ultimamente, principalmente no Brasil, e, por isso, achei interessante descrever alguns aspectos relacionados à nossa “última e inevitável viagem".
Todavia, antes de adentrar em nosso assunto propriamente dito, gostaria de escrever algo sobre algumas particularidades que descobri, quando das pesquisas realizadas para conhecer um pouco mais sobre o turismo cemiterial.
Fiquei surpresa, por exemplo, quando tomei conhecimento dos avanços tecnológicos dos serviços póstumos no Brasil e verifiquei que, atualmente, temos muitas empresas funerárias de última geração, a exemplo do que ocorre, já há algum tempo, nos países mais desenvolvidos economicamente.
Se não fosse trágico seria engraçado: as cerimônias fúnebres estão se tornando virtuais! É isto mesmo! Podem ser acompanhadas pelo público interessado em suas residências ou nos escritórios como se todos os mortos fossem celebridades, cujos enterros sempre foram televisionados e vistos no mundo todo.
O fato é que são oferecidos, hoje em dia, serviços "on-line" para velórios e enterros, via Internet, em várias cidades brasileiras. Ou seja, os cemitérios se renderam à informatização!
Agora, os familiares e amigos daqueles que "passaram desta vida para uma melhor", podem assistir na tela de seu computador, no conforto dos seus ambientes particulares, as imagens de todo o evento funerário. Portanto, quem não conseguir chegar a tempo para o velório ou ao sepultamento, não fica mais impedido de participar das homenagens, bastando para isso estar ligado à Internet.
Até os pêsames são virtuais e podem ser dados em tempo real. Ao lado das imagens ao vivo da cerimônia, o interessado tem um endereço para encaminhar e-mails com condolências. As mensagens são impressas por funcionários do cemitério e entregues na mesma hora aos familiares de luto.
O cemitério Memorial Necrópole Ecumênica, por exemplo, o maior cemitério vertical do mundo segundo o "Guinness Book", situado em Santos, no litoral de São Paulo (www.memorialcemiterio.com.br) oferece, também, dentre outros confortos aos familiares, visitas virtuais às sepulturas dos seus parentes e amigos queridos.
Em uma hora combinada uma câmera é instalada em frente ao jazigo indicado e as imagens ficam em uma página, na qual o contratante dos serviços tem uma senha para fazer o "passeio". Poderá ainda, o interessado, escolher e ver as flores que gostaria de depositar no túmulo. As flores são encomendadas também pelo computador e pagas com boleto bancário ou pela internet, é claro.
O Morada da Paz, cemitério da cidade de Natal, no Rio Grande do Norte, com unidade também no Estado de Pernambuco, oferece igualmente o serviço de filmagens, dentre outras "amenidades" para momentos tão tristes. Busca agora oferecer aos seus clientes a possibilidade de acompanhar as cerimônias fúnebres de vários ângulos diferentes, mediante quatro novas câmeras que estão sendo providenciadas.
Além de instalações com capelas mais luxuosas, para atender aos “clientes vips”, alguns cemitérios estão oferecendo suítes de luxo com vistas á acomodação dos familiares para a noite do velório, com direito até a escolha de “buffet” e tudo mais. Todos aqueles cujo endereço na Internet visitei, vendem ou alugam lotes, terrenos, espaços verticais, etc., para a construção dos jazigos, individuais ou familiares. Tudo feito “on line”. Pode-se abrir um mapa do local na tela do computador e escolher exatamente o local do seu “endereço eterno”. A maioria oferece financiamento ou parcelamento.
Também muito interessante é um site (www.meuultimoemail.com), cujos serviços permitem que, após a morte, uma pessoa faça "surpresa" aos amigos vivos. Estes poderão receber um e-mail, a qualquer momento, de um remetente que já deu adeus à vida terrena. É isso mesmo: este endereço permite que os usuários escrevam mensagens antes de morrer, é claro, e que serão entregues às pessoas previamente designadas. Era só o que faltava no mundo da cibernética: receber e-mails de mortos!
O site em questão foi criado por uma empresa da Espanha e enquanto a morte não chega a mensagem do "candidato" pode ser atualizada a qualquer momento. Vários são os planos a serem escolhidos, dependendo do interesse do cliente: "master, premium, essential e o free".
A mensagem póstuma pode incluir fotos e até um fundo musical e as mensalidades são cobradas antecipadamente, ou seja, até a data da morte do usuário.
Bem, depois destas informações um tanto quanto fúnebres, porém muito atuais em nossos tempos, voltemos ao tema principal que é o turismo cemiterial, também um pouco “exótico”, porque não dizer.
Este segmento também usufrui dos avanços tecnológicos antes descritos, com inúmeros “tours” virtuais, possibilitados a partir de páginas da Internet, nos principais cemitérios do mundo, tendo como objetivo a divulgação artística e cultural destes ricos sítios históricos.
Esta curiosidade e importância criada em torno dos cemitérios, a ponto de serem organizadas viagens e excursões só com o objetivo de conhecê-los, pode ser explicada pelo fato de que, desde os seus primeiros tempos na Terra, os humanos homenageiam seus mortos das formas mais variadas possíveis, conforme a cultura e os costumes de cada povo ou nação.
Muitas vezes, também, os cemitérios se tornam a única fonte confiável para os estudos da história da humanidade e são verdadeiros museus a céu aberto, arrolados nos guias de visitação das principais cidades, principalmente as européias.
Como se sabe, este tipo de turismo não é novidade nos paises do "velho mundo", porém, aqui no Brasil, só mais recentemente é que vem se tornando um segmento utilizado por agências organizadas.
Há muitos anos a França oferece visitas guiadas aos principais cemitérios de Paris. Dentre eles o mais importante é o "Pére Lachaise", conhecido por ser o mais visitado em todo o mundo e que recebe anualmente cerca de 2 milhões de visitantes provenientes de vários países.
Aberto em 1804, possui cerca de 100.000 túmulos, 5.300 árvores e muitas atrações culturais e artísticas. Lá estão os mausoléus de muitas celebridades, como o compositor Chopin, o escritor Moliêre, Oscar Wilde, Balzac, Marcel Proust, Modigliani, Simone Signoret e Yves Montand, a cantora Édith Piaf e a dançarina Isadora Duncan. Acessando o site www.pere-lachaise.com, pode ser feita uma visita virtual muito interessante a este famoso cemitério francês.
Muito procurado também é o cemitério de Montparnasse, aberto em 25 de julho de 1824, no bairro parisiense de mesmo nome. É também o abrigo eterno de muitos artistas e intelectuais famosos, sendo, por isso, bastante visitado pelos turistas.
Em Portugal os cemitérios são também surpreendentes, com obras de arte importantes em seus túmulos. Algumas "capelas” erguidas junto aos jazigos são tão grandes que podem ser confundidas com uma igreja de porte médio, dado o tamanho e a riqueza de suas construções.
O Cemitério do Alto de São João, um dos maiores de Lisboa e dos mais antigos do mundo, é de 1840, ocasião da edição de uma lei portuguesa que proibiu os túmulos montados dentro ou ao lado das igrejas, como até então era normal se fazer. Isto ocorreu devido aos problemas de poluição ambiental que começavam a surgir. Esta é, na verdade, a origem dos cemitérios em todo o mundo: o cuidado com o meio ambiente.
Em Londres, também vale uma visita ao Highgate, que contém a sepultura de Karl Marx (1818-1831) e foi construído no século 18 pela iniciativa privada, refletindo bem as idéias da aristocracia inglesa da época.
Highgate é um belo jardim, como, aliás, são todos da Inglaterra, e, oferece excelente paisagem para o repouso eterno.
O West Norwood, com 64 monumentos importantes listados como obras de arte a serem apreciadas, possui também um crematório totalmente aparelhado para oferecer conforto e bons serviços.
O cemitério de Golders Green Crematorium, que fica nos arredores de Londres e cujos mausoléus guardam os restos mortais de Sigmund Freud (1856-1939), é bastante visitado, bem como o de Brookwood, com passeios diferentes para todos os gostos e com ticket de entrada a partir de 2 libras.
Este último já foi considerado um dos maiores do mundo e hoje ainda é o maior do Reino Unido. Mais de 240.000 pessoas já foram ali enterradas.
Aqui, na América do Sul, o país líder no turismo de cemitérios é a Argentina. O cemitério da Recoleta, em Buenos Aires, atrai milhares de pessoas pelos seus inúmeros monumentos e esculturas dignas de um grande museu de arte e pelo túmulo da grande dama Evita Perón, além de outros célebres artistas. Ali se pode acompanhar quase toda a história da Argentina, desde o século XIX e é um hábito comum a visitação de pessoas da própria cidade, inclusive muitos estudantes.
Em São Paulo, onde o turismo de cemitérios é o mais desenvolvido do Brasil, muitas obras de arte formam estas verdadeiras exposições a céu aberto e que podem ser percorridas em vários bairros da capital e do interior.
O Cemitério da Consolação, o mais antigo de São Paulo, em funcionamento desde o ano de 1858, abriga a morada de inúmeras figuras públicas, artistas e intelectuais. Há um bom número de túmulos com trabalhos de grandes escultores, como Victor Brecheret, Francisco Leopoldo e Silva, autor do primeiro nu do local, produzido nos anos 20, ou Bruno Giorgi, um dos maiores escultores brasileiros.
Há muito mármore Carrara, granito e bronze. Lá está também o mausoléu da família Matarazzo, que ocupa cerca de 150m2, atingindo 20m de altura. É tido como o maior da América do Sul.
O Cemitério da Consolação tem desde 2001 uma iniciativa para buscar o aumento do potencial turístico do local. O Projeto Arte Tumular, do Serviço Funerário Municipal, promove passeios monitorados, com grupos de no máximo 15 pessoas. São recebidos cerca de 300 interessados por mês atualmente para as visitas guiadas.
O Projeto Arte Tumular (ver detalhes no site da prefeitura de São Paulo: http://portal.prefeitura.sp.gov.br/guia_servicos) mostra aos paulistanos e demais turistas de outros estados, os cemitérios mais antigos da cidade, com acervos artísticos e históricos provenientes de várias épocas ou períodos.
Outros cemitérios, como o de Araçá e o de São Paulo, no bairro de Pinheiros, também combinam importantes obras de arte nos jazigos de personalidades conhecidas na história da cidade.
Neste último, o de São Paulo, construído nos anos 20, está uma escultura das mais importantes: a peça “Último Adeus", de Alfredo Oliani, que mostra o último beijo de um casal.
O Cemitério Morumbi é particular e bem mais moderno. Foi construído nos anos 60 e tem outro tipo de paisagismo. Enormes gramados, sem túmulos aparentes ou estátuas, imitam os modernos cemitérios norte-americanos. A cantora Elis Regina é uma personalidade que lá se encontra para sempre.
Vale lembrar que no site www.findagrave.com pode ser pesquisado onde estão enterrados artistas e outros personagens famosos de várias partes do mundo, inclusive brasileiros.
A procura pode ser feita pelo nome e pelo ano da morte. Atualizado todos os dias, o site tem uma relação com os nomes mais pesquisados. Assim, em cada cidade que visitarmos basta entrar neste site e partir para apreciar os túmulos e jazigos de pessoas importantes para nós e para a humanidade.
Constatamos, portanto, mais uma vez, como a informática atende às necessidades dos negócios e projetos turísticos ligados à vida eterna.

TURISMO EM CEMITÉRIOS MOSTRA HISTÓRIA E CULTURA
UM VERDADEIRO MUSEU A CÉU ABERTO ESTÁ NOS CEMITÉRIOS


O turismo em cemitério não é nada assombroso. Ao ouvir falar sobre isto não fique pensando em fantasmas e almas do outro mundo, tampouco torça o nariz. Mesmo tendo uma aparência muitas vezes triste, os cemitérios, principalmente os mais antigos guardam belas e ricas surpresas para quem se dispõe a neles entrar. Se olhar bem, poderá ver galerias de arte a céu aberto e encontrar peças e esculturas assinadas por artistas famosos. Na França e na Argentina, por exemplo, alguns cemitérios se tornaram pontos turísticos que atraem milhares de viajantes do mundo inteiro como por exemplo, os Cemitérios de Pére Lachaise em Paris e da Recoleta em Buenos Aires.
Na verdade, esta é uma prática cultivada em várias partes do mundo como forma de divulgar a história e a cultura de uma cidade. A procura por esses concorridos pontos turísticos se dá por terem eles entre seus "moradores eternos" nomes famosos que marcaram presença na história, no esporte, nas artes ou na política. No entanto, também a beleza da arte tumulária presente nestes cemitérios contribui e muita para a sua fama.
No Brasil temos exemplos magníficos desta arte tumulária. Em São Paulo os cemitérios da Consolação, Araçá, Paulista e Morumbi são exemplos típicos desta arte. Rio de Janeiro, Bahia e Recife são outros locais onde encontramos acervos de arte tumulária.
Em Santos, cemitérios como do Paquetá e Saboó são ricos em túmulos de famílias ilustres e com arquiteturas tumular feitas por artistas de renome.
No entanto, ao contrario do que ocorre em outros países, poucos são aqueles que percorrem os cemitérios brasileiros para visitação de túmulos ilustres ou que saibam apreciar as obras de arte que estes cemitérios muitas vezes escondem. Raras exceções acontecem durante o ano como as visitas aos túmulos de Raúl Seixas, Airton Senna, na Capital, e Mario Covas em Santos. O resto só se dá em finados.
A maioria dos jazigos presentes nestes cemitérios, como o da Consolação, foi esculpida por artistas europeus que usaram materiais muitas vezes importados, de forma a enaltecer o nome das famílias abastadas. Encontramos, em São Paulo, obras de artistas consagrados como Brecheret e Luigi Brizzolara ao lado de outros não tão conhecidos como Eugênio Pratti e Ramando Zago. Centenas de artistas italianos de renome também deixaram um enorme acervo de peças espalhadas pelos cemitérios brasileiros, a maioria em nossa Capital.Muitas dessas peças só agora estão sendo identificadas. Para se ter uma idéia, somente no cemitério do Araçá encontramos quase 80 peças de notório valor artístico devidamente catalogadas.
É preciso apreciá-las com olhar de quem está num museu. Verá, então, diferenças entre peças da belle époque e art noveau. Verá nomes famosos também. Só não terá uma infra-estrutura de apoio com informações sobre as arquitetura e as personalidades ali “residentes”. O que é uma pena.


OBS: 
Mara Inez Ludwig Válio é economista, formada pela Universidade de Brasilia-UnB e atualmente está cursando o MBA em Turismo-Planejamento Gestão e Marketing, na Universidade Católica de Brasília-UCB.
Trabalhou no Ministério do Trabalho e Tribunal de Contas do Distrito Federal, nas áreas de orçamento e finanças públicas.
Fez Pós-Graduação Latu-Senso na Fundação Getúlio Vargas em Contabilidade Pública. 
Possui nível avançado de Inglês, pela Cultura Inglesa, e frequentou curso na Inglaterra, no Eurocentre Victória, em Londres.
O interesse em estudar e enfrentar novos desafios profissionais na área de turismo, nasceu das inúmeras viagens que fez pelo Brasil, Américas e Europa. Em muitas delas, para o exterior, teve estada prolongada em alguns países, o que propiciou larga experiência em outras etnias e culturas.

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