terça-feira, 3 de abril de 2012

O MAJOR LUIZ VÁLIO - O VÁLIO DE SÃO MIGUEL ARCANJO


DIGNO DE PREITO


Pelo decreto número 74, de 20 de outubro de 1971, a antiga rua Almirante Barroso, em São Miguel Arcanjo, passou a denominar-se Rua Major Luiz Válio, ex - prefeito municipal. Essa rua contorna as terras que foram suas e que compunham a Fazenda Bom Retiro.
O Major Luiz Válio também foi homenageado pelo Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Itapetininga, onde é patrono de uma cadeira  ocupada pela neta, também escritora, Luiza Válio, primogênita de Luiz Válio Júnior, atualmente residindo em São Miguel Arcanjo. 
Esse Instituto foi criado em 2.005.

O MAJOR E SUA BIOGRAFIA

Nasceu Luiz Válio no dia 27 de fevereiro de 1880 na cidade de São Miguel Arcanjo, outrora pertencente ao município de Itapetininga, no Estado de São Paulo.
Na época do seu nascimento, as crianças de ambos os sexos usavam camisolas e tinham cabelos compridos. Costumava-se fazer fogo nas casas, de preferência na cozinha, sobre alguns tijolos, imitando uma lareira. Para isso, as pessoas tinham o cuidado de escolher sempre achas de lenha branca que não faziam fumaça. As palestras se estendiam até altas horas.  
O Major era afilhado de Maximina Ubaldina Nogueira, filha do Tenente Urias Emídio Nogueira de Barros, o qual, segundo consta, era proprietário de uma grande fazenda na região denominada Fazenda Velha, a qual, de acordo com Manoel Valente Barbas, descendente de Urias, deu origem ao atual município.
Com apenas oito anos de idade, Luiz Válio fez seu primeiro discurso nos ombros do Chico Bumbeiro; Chico era tocador de bumbo na banda de música local, bem à época da libertação dos escravos e era pai de Maria, que se tornaria esposa de Benedito Antonio de Souza, até hoje, o primeiro e único prefeito negro na história de São Miguel Arcanjo.
Nos anais da Câmara, por ocasião da posse da primeira delas, no ano de 1.889, lá se pode ver a sua assinatura.
E ele só tinha 9 anos de idade!
Foi seminarista e muito amigo do Bispo Dom Aguirre, de Sorocaba.
Aos 19 anos, foi nomeado escrevente do Cartório e aos 20 anos já estava se casando com Cirila Nogueira, da descendência do Tenente Urias, nascida aos 12 de abril de 1886 no município de Sarapuí, porém, batizada em Sorocaba. 
Cirila era prima de Alcindo Nogueira, que se casou com Cacilda Galvão, cujos pais residiam em Gramadinho na década de 30.
Cirila era neta de Antonio Machado de Moraes, casado com Escolástica de Tal, e filha do casal Roberto Antunes Nogueira e Antonia Augusta Nogueira.
O pai  de Cirila, Roberto Antunes Nogueira.
Era irmã de Antonio José Nogueira, casado com Maria Fogaça (estes, pais de Alcindo Nogueira casado com Áurea Nogueira, por sua vez pais do conhecido ‘Ventana’, pai de Antonio Cláudio Nogueira, o Calilo, que se casou com uma neta do Major, Maria de Fátima Válio França); de Roberto Antunes Nogueira Júnior, o Bertinho, e Timóteo, que foi assassinado a mando de políticos de São Miguel Arcanjo, quando acompanhava o padre da época até a cidade de Itapetininga.
Este Timóteo, depois que fora assassinado, virou corpo santo. Enviado para Roma, até hoje ninguém mais soube do que aconteceu com seu corpo, que permanecera intacto. 
O casamento do Major com Cirila realizou-se no dia 26 de junho de 1900, em São Miguel Arcanjo, sob as bênçãos do padre Francisco Botti, tendo como testemunha Juvenal dos Santos Terra, um dos filhos de Maximina Ubaldina Nogueira, filha do Tenente Urias casada com Miguel dos Santos Terra.




Todo um quarteirão da antiga Rua Sete de Setembro, hoje Cônego Francisco Ribeiro, era sua propriedade. 
A princípio, ele residiu na casa à esquerda, bem na esquina com a Rua Monsenhor Henrique Volta. 
O casarão ao fundo foi construído pelo Monsenhor Henrique Volta. Ao voltar para a Itália, o Monsenhor vendeu o imóvel a Luiz Valio.
Uma lembrança de quando foi festeiro do divino:




Aos 21 anos, Luiz Valio tornou-se vereador em sua cidade.
Luiz foi lavrador e também comprava e vendia algodão; na inauguração da chegada da máquina de descaroçar algodão, " Machina São Luiz", houve uma grande festa, com a banda de música local e o padre Carlos Regattieri presente para a benção.
O Major Luiz Valio está postado à esquerda do padre Regattieri
Essa máquina foi vendida mais tarde para Narlir Miguel. 

A empresa ficava na Rua Sete de Setembro, ali onde hoje está a propriedade de Licério de Oliveira.
Publicidade de época:

Luiz Valio também foi proprietário de hotel – o Hotel Válio - localizado na Rua Sete de Setembro, 17. 
Esse hotel era muito bem montado, com excelentes cômodos, mesa lauta e rigoroso asseio. 
Anexo a ele havia uma espaçosa mangueira para tropas com bom pasto e uma imensa garagem para automóveis. No ano de 1.925, o hotel foi vendido para o grupo empresarial João Paulino da Silva e Cia. 
Fundador e presidente de Partido Político, proprietário de jornal (fundou “A Razão”), colaborava com o periódico “O Progresso”, usando diversos pseudônimos, tais como J. Severo, Doutor Ferdinando, Ferdinando Cipó, L.V., Doutor Ferrão, etc.
O maior dos crimes na São Miguel do passado era ser honesto, verdadeiro e desejar o bem da coletividade sem demagogias.
Numa época da sua vida, o Major foi execrado publicamente. Esse fato ainda não foi devidamente decifrado.
O periódico ‘A Razão’, fundado pelo Major, era um órgão do Partido Republicano de Oposição local;  publicava-se às quintas-feiras e tinha como gerente Cassiano Vieira e como redator principal o ilustre jornalista Mário Augusto de Medeiros, um dos primeiros secretários da Câmara.
Na edição de no. 21 de ‘A Razão’, do dia 15 de novembro de 1.923, Mário assim escrevia sobre o Major Luiz Válio:



Por conveniência de ordem política, deixou a direção desta folha o senhor major Luiz Válio.
Dizer em poucas palavras de sua passagem por esta redação, tal a contextura que deu ao nosso periódico, tais os traços indeléveis que deixou, seria tarefa muito além do nosso esforço de síntese.
Batalhador impertérrito, polemista de fôlego, soube o major Luiz Válio revidar com a mesma intensidade ou quiçá maior, os ataques que recebeu de seus desafetos.
Ferido na sua qualidade de político, o foi também (quem o diria!) na sua qualidade de homem, de membro respeitável da nossa coletividade, tal o efeito das paixões mal compreendidas ao sabor da ignorância humana.
Do brilho com que soube defender-se, da coragem com que enfrentou as duras investidas de seus vesgos adversários, estão aí para atestar os artigos que escreveu, procurando, em todos eles, por princípio, desviar-se da vereda escabrosa do ataque pessoal, perdoando aos seus gratuitos detratores a intenção malévola que manifestaram de expô-lo à maledicência pública, na terra de seu próprio nascimento, na terra que deveria orgulhar-se de chamá-lo filho e filho diletíssimo, tal o amor que a ela tem consagrado!
Através dos seus artigos de defesa, em que dava aos seus inimigos liberdade plena para dissecarem as mazelas de sua alma, percebia-se o cuidado com que procurava ocultar os benefícios que tem feito, estancando muitas lágrimas e consolando muitas dores, aos pobres, às viúvas, a órfãos e desvalidos.
Oxalá não houvesse tal a contingência humana, tal a ingratidão dos homens dentre os seus algozes, alguns deles que o vissem desprendido e solícito, à beira do seu leito ou de alguém de sua família, na faina inglória de suprir a falta de um médico, até que recursos mais eficazes pudessem vir de fora!
Oxalá tivessem todos os seus detratores, e não foram poucos, e todos eles gratuitos, um passado honroso e honrado que os colocasse ao abrigo da maledicência vil da canalha baixa!
Eis, em rápidas e apagadas linhas, o esboço moral do nosso ex-diretor.
Fundador de nossa folha, está o seu nome ligado aos destinos do nosso jornal, e jamais olvidaremos o muito que fez e o muito que trabalhou para que o nosso periódico conseguisse os foros que conseguiu com sua atuação criteriosa baseada nos moldes da imprensa honesta e desinteressada que visa tão somente os interesses locais e os de ordem geral, e jamais se presta a conchavos subalternos.
Que a nossa rota a seguir será a mesma, di-lo o que acima afirmamos, isto é, teremos por escopo tão somente os interesses locais e os de ordem geral que redundem em benefícios ao nosso município e à zona que representamos.
Ao estamparmos o retrato do nosso ex-diretor, major Luiz Válio, na página de honra do nosso jornal, nada mais fazemos do que cumprir com o nosso dever.
Perdoe-nos o homenageado, se ofendemos a sua modéstia, e teremos pago, muito espontânea e gostosamente uma dívida de gratidão, o que já não é pouco nos tempos ominosos que atravessamos, em que a doutrina utilitária, qual erva daninha, procura abafar o viço da moral cristã”.
Como escritor, Luiz Válio deixou expressos no jornal ‘O Progresso’, cujos exemplares são bastante raros, toda a luta pela construção de uma estrada que ligasse São Miguel a Sete Barras e toda a verdadeira história dos últimos momentos da conquista que foi a emancipação político- administrativa do município.
Fundou o Partido Democrático e, nos dias 02, 03 e 04 de fevereiro de 1.931 seguiu para a Capital a fim de tomar parte como representante do município de São Miguel Arcanjo no 7º. Congresso do Partido do qual era presidente do Diretório Municipal. A sede do Partido ficava na Rua Miguel Costa, no. 15. Essa rua deve ser a mesma rua que mais tarde levaria  o nome de Rua Sete de Setembro e, hoje, homenageia o Cônego Francisco Ribeiro.
No dia 1º. de fevereiro de 1.931, ‘O Progresso’ publicava o seguinte:
‘ Na sede do Partido Democrático desta cidade já se acham as listas de apoio a esse partido, as quais devem ser assinadas por todos quanto queiram, com boa vontade, prestar o seu concurso à causa da reorganização e saneamento político do país. Essas listas podem ser assinadas pelos democráticos que, assim, reafirmarão a sua fidelidade ao partido e também pelos ‘patrícios que, até aqui, indiferentes às lutas partidárias, ou sarados dos erros do passado, convertidos, se dispuseram a formar com dignidade e honradez ao lado da possante agremiação paulista’. Todos os cidadãos bem intencionados, mesmo aqueles que prestaram apoio ao extinto PRP, uma vez que se encontrem limpos de consciência, podem aproveitar esta ocasião de se tornarem úteis, agora, à Pátria’.
Além de vereador, foi prefeito, segundo consta, em 1.909, e de 1.943 a 1.945; Presidente da Câmara de 1.936 a 1.937 e Delegado de Polícia.
Cultor da Medicina Alternativa fazia manipulação de remédios baseados em ervas medicinais, de grande mister para os mais pobres.
Tinha o dom de curar dor de cabeça. Bastava para isso colocar as mãos na cabeça do doente.
Afora todos os sonhos que nutria para a sua terra natal, ainda advogava sem cobrar nada das camadas mais carentes da população, em sua própria residência, numa parceria com advogados itapetininganos.  
Luiz Válio foi o maior intelectual que a cidade já teve. Correspondia-se com o jornal “A Província de São Paulo”, hoje “O Estado de São Paulo”.
Era grande orador e discursava até mesmo em congressos na Capital de São Paulo, sempre levando reivindicações de melhoria da qualidade de vida para as cidades do interior, incluindo a sua.
Luiz Válio chefiou quase todos os partidos oposicionistas que se organizaram no município de São Miguel Arcanjo desde o advento da República, nunca, porém, deixou de manter o devido respeito para com seus adversários, mesmo para com aqueles que se portaram com revoltante indignidade.
No ano de 1.926, manteve uma agência de negócios. Ele prestava seus serviços de consulta sobre quaisquer assuntos de direito civil, comercial, criminal, etc., gratuitamente. Vendia terras e outras espécies. Nesse mesmo ano encarregara-se de vender 3 mil alqueires de terras de superior qualidade para culturas diversas sitas à margem esquerda da estrada do governo que seguia para Curitiba, em lotes de 20 alqueires, ao preço de 50$000. Eram terrenos que mais tarde se valorizaram bastante.
Como ele sempre dizia, apesar dos pesares, continuava, como sempre, a proteger os necessitados de seus serviços.
Triunfando a Revolução de 24 de Outubro de 1.930, ele foi perseguido e a sua família porque fora simpático a essa causa. Foi processado assim como outros correligionários. Um Juiz federal despronunciou a todos eles.
Em 25 de outubro de 1.930 assumiu a presidência da Junta Governativa local e o cargo provisório de Delegado de Polícia confirmado pelo Chefe de Policia por ato de 28 do mesmo mês.
Poderia ter-se vingado, mas não o fez. Nunca foi covarde!
Sua meta, quando algum poder lhe cabia, era sempre manter em paz a família são-miguelense.
Ao tempo do prefeito Edwiges Monteiro, e conforme decreto 10, de 16 de março de 1.931, o Major foi designado para colaborar na fiscalização e direção dos trabalhos aos quais a comunidade fora obrigada: ajudar a construir os caminhos municipais. Todos os que moravam nos bairros, eram obrigados a participar desse mutirão. Partindo de suas casas e até a cidade, os cidadãos de 16 a 60 anos se prestaram a abrir estradas para o benefício do povo em geral.
A ele coube a vistoria da segunda zona, entre as estradas de Justinada e Turvinho.
As demais zonas assim foram distribuídas: a primeira, compreendida entre Santa Cruz e Rio Acima, a cargo do Coronel Leonardo Demasi; a terceira, compreendida entre Pocinho e Gramadinho, a cargo do Major Juvenal dos Santos Terra e a quinta, estrada do Rincão e adjacências, sob o comando de Rufino Demétrio.
A partir de 30 de março, porém, a direção e fiscalização dos serviços gerais ficaram a cargo apenas do Major Luiz Válio e do Coronel Demasi. Este Demasi era proprietário da Fazenda do Pinhal e fez às suas expensas os pontilhões e os bueiros da estrada do seu sítio até a cidade.
Na década de 30, fundou o Partido Democrático, numa época em que a maior preocupação dos homens cultos do município era manter a todo custo a autonomia do mesmo. Faziam parte da Diretoria desse partido, que era por ele presidido, cidadãos como o Monsenhor Henrique Volta, Edwirges Monteiro, Horácio Pereira da Silva, Pedro Ribeiro Vaz e Acácio dos Santos Terra. E como membros do Conselho Consultivo: o presidente, Manuel Augusto Borges e mais José Ribeiro da Costa Vaz, José Modesto da Silva, Eusébio Pereira, José Fama de Araujo, Virgílio Leme da Silva, Roque Nunes Rato, Mizael Izídio Machado, Jorge de Souza Nogueira e Alcindo Nogueira.
A sede do Partido ficava na Rua Sete de Setembro, no.15, imóvel de sua propriedade.
No dia 08 de maio de 1.931, fundou a Associação de Pais e Mestres das Escolas Reunidas de São Miguel, destinada a um mútuo entendimento entre os pais dos alunos e os professores acerca dos problemas educativos da escola e o mais perfeito conhecimento das condições de vida dos alunos e de suas necessidades. 
A primeira diretoria ficou assim constituída: 
Presidente- Major Luiz Válio; Secretário: Narlir Miguel; Membros: professores Luiza Como, Floriza Barreto, cidadãos Edwiges Monteiro, que pedira exoneração do cargo de prefeito, sendo substituído por Leontino Arantes Galvão, Elias André e professor Ary Monteiro Galvão.
Foi o Major Luiz Válio o mentor da criação da primeira biblioteca escolar dentro do município, nomeando, nessa mesma data, uma comissão composta dos professores Ary Monteiro Galvão, Floriza Barreto e Luiza Como para angariar qualquer obra literária científica ou pedagógica, revistas ilustradas, dicionários, em suma, livros que proporcionassem leitura amena, sadia e proveitosa para todos os seus usuários.
O Major Luiz Válio teve um importantíssimo papel social na Revolução Constitucionalista de 32.
Quem escreveu sobre isso foi seu filho Luiz Válio Júnior.
Em 05 de setembro de 1.932 o 1º. Tenente da 2ª. Cia. do 2º. B. E., Tasso Pinheiro, assinou um recibo no seguinte teor:

S. Miguel Arcanjo, 5 de setembro de 1932.

Nesta data, recebi de Luiz Valio, DD.Delegado local, a fim de utilizar com a nova turma de sapadores, em organização na região do Taquaral de Baixo, o seguinte:
Enxadões com cabo..........................................................  8  (oito)
Enxadões sem cabo...  ........................................ 33 (trinta e três)
Picaretas sem cabo......................................................... 20 (vinte)
Foices...........................  ...................................................   7  (sete)
Chibancas com cabo...................................................   4  (quatro)
Cabos de machado...............................................  31 (trinta e um)
Cabos de enxada..............................................................  20(vinte)
Machados.......................................................................   4(quatro)
Pratos de folha................................................... 83 (oitenta e três)
Colheres.............................................................  76 (setenta e seis)
Canecas............................................................  72 (setenta e duas)
Caixa de salame............          ..........................................   1 (uma)
Caixas de ‘corned beef’....................................................   3 (três)
Caixa de chocolate...........................................................   1 (uma)
Latas de bolacha...............................................................   7 (sete)
Saco de sal.......................................................................   ½ (meio)
Lata de pão de guerra....... .............................................    1 (uma)
Saca de arroz....................................................................    1 (uma)

OBS: este documento estava em poder de Lucila Silva Valio e, hoje, faz parte do nosso acervo.
Há também um edital no seguinte teor:

‘O cidadão Major Luiz Valio, delegado de Polícia desta cidade e município de S. Miguel Arcanjo, etc...

Faz saber a todos que o presente virem ou dele notícia tiverem que, de ordem do cidadão Chefe de Polícia, ficam intimados todos quantos se achem de posse de armas de guerra e respectiva munição, bem como todo e qualquer objeto pertencente ou deixado pelas forças paulistas e federais que aqui estacionaram durante alguns dias, a fazerem entrega dos mesmos a esta Delegacia, dentro do prazo de 48 horas, para os moradores da cidade, e de 8 dias para os da zona rural, sob pena de processo e apreensão legal, além das demais penas estabelecidas pelos regulamentos militares.
E para que ninguém alegue ignorância, manda fazer o presente e mais três de igual teor, que vão afixados nos lugares de costume.
Dado e passado na Delegacia aos 11 de outubro de 1.932.’

OBS: Parece que houve denúncia de que os Fogaça tinham muitas armas escondidas num sítio havido como local de esconderijo da família e de seus parentes mais próximos, num total de 150 pessoas. 
Esta foto - histórica - tirada em 1.937 lembra que a prefeitura localizava-se à Rua Monsenhor Henrique Volta, no prédio que depois pertenceu a Evangelino Rosa do Nascimento.



A partir da esquerda, Eusébio Pereira, Edwirges Monteiro, Pedro Fabiano, Luiz Valio, Alfredo de Oliveira (Preto), Benedito de Souza, Nestor Fogaça, Virgílio Coelho e Santiago França. 
Na foto abaixo, de 1.943, quando se torna Prefeito. 




































O assentamento da pedra inicial das obras de construção da Igreja Matriz, ao lado de Benedito de Souza e Alcindo dos Santos Terra: o da esquerda é Luiz Valio.
Era o dia 01 de outubro de 1.944.
Luiz Valio tinha o passe de número 1.700 - 1a. classe - da Estrada de Ferro Sorocabana. A sua assinatura estava nele.
Abaixo, uma festa realizada no mês de outubro de 1.944, onde se vê o Major Luiz Valio (prefeito na época), de camisa branca e a esposa Cirila, de preto, distribuindo brindes à criançada. Ao fundo, o  casarão do Narlir Miguel e o Salão São Miguel, onde hoje estão o Supermercado e a Lanchonete dos Irmãos Silva.





Nessa foto vê-se ainda a professora dona Mimi, na ponta da divisória à direita; na outra ponta, Maria Olímpia de Jesus com dez anos de idade, ela que seria mais tarde nora do Major; também se vê Maria Valio, Lurdinha Piedade e outros.
Por ocasião das festividades pelas Bodas de Ouro do casal em 1.950, quem esteve presente foi o Bispo Dom Aguirre.
Luiz Válio faleceu em 03 de setembro de 1950, às 19:00 horas, quase três meses depois de festejar as Bodas de Ouro de seu casamento que foi uma festa inesquecível.
Quando seus inimigos políticos souberam que estava morrendo, começaram uma algazarra e logo uma passeata se fez dando voltas pelo quarteirão onde a família morava.
Foi preciso que os irmãos usassem de muita energia nesse momento para que Luiz Válio Júnior, o Gijo, não perdesse a cabeça, pois se dispôs a atirar em quem passasse em frente ao casarão da família.
Por proposta de Francisco Fogaça de Almeida, o Cirico (ironia?), através do processo 18/50, convertido na Lei no. 70/ 50, foi concedida pela Câmara Municipal uma sepultura em caráter perpétuo e gratuito em nome do Major.
A família de Cirila foi consagrada ao Sagrado Coração de Jesus no dia 25 de junho de 1.961, pelo padre Francisco Ribeiro.
A querida esposa Cirila faleceu aos 14 de setembro de 1964, exatamente às dezoito horas, quando era costume no lugar o sino da Matriz soar chamando para a última missa do dia.
Por ocasião do falecimento da mãe, o filho Luiz Válio Júnior mandou imprimir um poema de sua autoria intitulado ‘A Grande Dor’ no “santinho” distribuído durante a missa de sétimo dia, mandada rezar na igreja católica. Assim:

A Grande Dor 


(Luiz Válio Júnior) 

Jamais imaginei em toda vida 

Sentir tão profunda, angustiante dor, 

Quando um dia perdi a mãe querida 

Aflição incontida do mais puro amor. 


Que melancolia, que cruel sentença, 

Que rude e tempestuosa reprodução 

De uma tristeza, na alma, imensa, 

Que enorme rasgo no coração. 


Que mais me resta afinal, senão, 

Recordar, ao seu lado, dias queridos, 

Buscando sempre seu consolo, então, 

Aos meus instantes mal vividos. 


Rezarei por vós, prometo agora, 

E, em minhas orações, evocarei, 

A uma santa, minha mãe outrora, 

Meiga santa Cirila, eu rezarei. 


Suplicarei depois, nas devoções, 

Ao Criador, Pai Supremo do poder, 

Para que em outras gerações, 

Não deixe uma mãe morrer. 

Na sessão da Câmara no dia 15 de setembro de 1.964, o vereador Francisco Fogaça de Almeida solicitou após ouvido o Plenário, que fosse consignado um voto de pesar pelo falecimento de dona Cirila Nogueira Válio, esposa do ex-prefeito senhor Luiz Válio, que teve dois filhos vereadores, os senhores Aristeu Válio e Luiz Válio Júnior, que prestaram serviços à Câmara Municipal desta cidade, solicitando ainda que se comunicasse à família Válio. 
Foi aprovado por unanimidade. 

Os vereadores da época: Wadih Hakim, Norihiro Murakami, Miguel R. Ferreira, Francisco Fogaça de Almeida, José Borges Martins, Geraldo Piedade, Amador Nunes, João Agostinho, Alcidino França, José França e Salvador de Oliveira. 


PARA CONSTAR:

Nos “arredores” e na “capital”: as pesquisas da Sociedade de Etnografia e Folclore (1937-1939)


Luísa Valentini

Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social / USP

Temos também os bailados em que a dança se mistura à representação, tais como a congada, o moçambique, os caiapós e o bumba-meu-boi. Este último, ainda tão intensamente vivo no Nordeste brasileiro, já quase desapareceu aqui. Sei dele apenas em algumas cidadezinhas do litoral, e ultimamente tive a surpresa, por um programa das festas do Divino, de saber que o bumba-meu-boi ainda permanece entre os caipiras do Santo Amaro. Mas na realidade já me acostumei a reconhecer que justamente os arredores da Capital são verdadeiros mananciais de surpresas folclóricas. [...] a nossa lustrosa capital é toda orlada assim dum caipirismo tenaz, que em vinte minutos de automóvel nos transporta da autêntica atualidade universal do marco zero a um passado antiqüíssimo em que ainda revivem as danças indígenas e a conversão delas ao catolicismo pela mão adestrada dos Jesuítas.(Mário de Andrade, Revista do Arquivo Municipal nº XXXIV, p. 203-204)

A Sociedade de Etnografia e Folclore (SEF) (www.centrocultural.sp.gov.br/livros/pdfs/sef.pdf), fundada em 1937 como um órgão vinculado ao Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo e cujas atividades duraram cerca de dois anos, é uma experiência pouco visitada na história das ciências sociais no Brasil. Com exceção dos trabalhos publicados por Lélia Gontijo Soares (1983), Silvana Rubino (1995) e Marta Amoroso (2004), que se debruçam mais exclusivamente sobre ela, as considerações existentes sobre a SEF vêm, em geral, associadas a análises das iniciativas do Departamento sob a direção de Mário de Andrade (1935-1938), da fundação da Universidade de São Paulo e da Escola Livre de Sociologia e Política e, mais particularmente, da passagem de Claude Lévi-Strauss e sua então esposa, Dina Dreyfus, pelo Brasil (1935-1939) [2]. Isso não é de se estranhar, pois são de fato esses intelectuais e essas instituições os principais envolvidos na criação da Sociedade. São breves e pouco sistemáticas, no entanto, as recensões dos objetos, das práticas de pesquisa e das referências mobilizadas pelos pesquisadores que integraram esse grupo, elementos que podem ser observados nos arquivos relativos a essa experiência e que permitem um acompanhamento bastante minucioso das atividades de pesquisa ligadas a esse que Rubino (1995, p. 485) lembrou ser “[...] um projeto político e cultural tão ambicioso quanto de curta duração [...]”.
Pretendo organizar aqui um primeiro mapeamento dos temas e problemas aos quais os sócios da SEF dedicaram sua atenção, e das formas pelas quais eles realizaram suas explorações, concentrando-me na constituição da cidade de São Paulo e de seus entornos como paisagens para as pesquisas em etnografia e folclore, tais como estas disciplinas foram definidas nesse grupo. Se a criação da Sociedade, por uma série de razões, não foi um esforço bem sucedido, ela interessa pelo conjunto de debates, referências e práticas que mobilizou em torno das idéias de nação e de ciência. Neste levantamento, considerarei especialmente os documentos depositados no Fundo Sociedade de Etnografia e Folclore do Centro Cultural São Paulo (São Paulo, Brasil) e a coleção da Revista do Arquivo Municipal, que funcionava no período em questão como publicação oficial do Município, mas também como revista de vulgarização de trabalhos cujas temáticas interessavam aos propósitos do Departamento de Cultura (Rubino, 1995) [3].
O primeiro conjunto documental de interesse aqui é o conjunto das apostilas do “Curso de Etnografia” ministrado por Dina Dreyfus, a convite de Mário de Andrade, entre os meses de abril e outubro de 1936. Esse curso, que precedeu e originou a SEF, foi desenhado, segundo resumo da aula inaugural publicado no jornal O Estado de São Paulo, para atender a uma demanda do Departamento de Cultura de treinamento a “[...] funcionários municipais da capital e do interior, professores primários, instrutoras de parques infantis [...]” [4]. Estes alunos deveriam se tornar os produtores de um arquivo de consulta útil tanto para as ciências sociais, como para as políticas públicas e, segundo um projeto que Mário de Andrade vinha construindo e defendendo desde a publicação do Ensaio sobre a música brasileira [1926], para o desenvolvimento de uma arte nacional [5]. Nesse mesmo texto, Dreyfus definiu o conteúdo adequado a esses propósitos como “[...] um método geral imediatamente aplicável no campo de trabalho [...]” (Dreyfus, 1936a).
Esperava-se desse “método geral” que sua aplicação fosse fácil a pessoas sem formação nessas áreas, e que ele ordenasse a “colheita” de informações segundo uma “orientação científica”, conforme explicou Mário de Andrade na fala de abertura do curso (SEF, doc. 3)[6]. Para tanto, Dreyfus planejou as aulas conforme um modelo amplamente difundido na pesquisa antropológica do início do século XX, qual seja o das instruções a pesquisadores “leigos” que coletariam informações nas colônias para as grandes instituições metropolitanas de pesquisa, tendo como referências principais os cursos de Marcel Mauss no Instituto de Etnologia que deram origem ao Manuel d’Ethnographie [7] [1947], e os Notes and Queries in Anthropology editados periodicamente pelo Royal Anthropological Institute, de Londres.
Embora aberto ao público mais amplo, o curso atingiu também estudantes universitários, especialmente alunos das recém-fundadas Escola Livre de Sociologia e Política e Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, que pareciam não contar naquele momento com um treinamento específico para o trabalho de campo [8]. Alguns desses estudantes, como Lavínia Costa Villela e Mário Wagner Vieira da Cunha, somados a funcionários do Departamento de Cultura que acompanharam o curso, como Oneyda Alvarenga, encarregada da Discoteca Pública Municipal, Nicanor Miranda, responsável pelos Parques Infantis do município e Antonio Rubbo Müller, da Sub-Divisão de Documentação Social, estiveram entre os participantes mais ativos da Sociedade, juntamente a professores universitários como Lévi-Strauss, Plínio Ayrosa e Samuel Lowrie, definidos em alguns documentos como “etnógrafos”.
O propósito de constituir um “arquivo etnográfico” ou “arquivo de etnografia e folclore” – expressões que serviram de nome à seção da Revista do Arquivo onde se publicavam os trabalhos de interesse da SEF – implicava uma delimitação disciplinar cara a Dina Dreyfus no seu esforço de enfatizar a separação entre os momentos de registro e de análise na produção do conhecimento. Nas Instruções Práticas para Pesquisas de Antropologia Física e Cultural escritas por Dreyfus e publicadas pelo Departamento em 1937, ela apontou, em uma outra versão do texto de sua aula inaugural, que:
A Etnologia é teórica, como toda ciência constituída; e nesta qualidade apresenta caracteres incompatíveis com as pesquisas práticas: é sistemática, explicativa e generalizadora. Seu esforço é essencialmente sintético. Inteiramente diverso é o papel da Etnografia. Esta é mais um estudo descritivo e monográfico dos povos e de sua vida cultural, do que propriamente uma ciência (Dreyfus, 1936b, p. 8).
Quanto ao folclore, o outro campo de interesses da SEF, a sua definição era mais complicada:
Folclore significa estudo das manifestações culturais populares. Podemos dizer que o folclore está para a etnografia como a etnografia para a etnologia. Isto é, há entre estes ramos de pesquisas uma diferença de generalidade. O folclore se faz sobre uma base mais limitada que a etnografia propriamente dita e por isso mesmo estuda seu objeto mais detalhadamente.
Em relação à etnografia, o folclore se caracteriza:
– Por pertencer mais ao domínio espiritual, levando em conta o fator psicológico, enquanto a etnografia se limita quase exclusivamente aos elementos materiais.
– Por se ocupar principalmente das manifestações culturais dos povos chamados civilizados, enquanto a etnografia se consagra especialmente aos povos primitivos.
Geralmente o etnógrafo especializado não se ocupa do folclore. Neste curso, entretanto, que se destina a satisfazer as condições particulares dos que o seguem, o folclore será um dos pontos do programa (SEF, doc. 8).
A conclusão desse trecho, bem como as diferenças entre o primeiro projeto de curso enviado por Dreyfus a Mário de Andrade e o curso efetivamente realizado, sugerem que a associação do folclore à etnografia atendia à pesquisa e à política cultural conduzidas por Mário nesse momento. Nas aulas de folclore foram ensinados os métodos de registro da arte decorativa, de “contos, lendas, mitos e provérbios”, de jogos, que interessavam no projeto pedagógico dos Parques Infantis do município (cf. Faria, 1999), e das temáticas a que Mário mais se dedicava: a música e “a dança e o drama”, sobre os quais escrevia naquele momento o que vieram a ser os três volumes das Danças Dramáticas do Brasil [1934-1944]. Mais afins à etnografia, segundo a definição adotada por Dina, eram as aulas de cultura material, quando se estudaram critérios de coleta, a classificação dos objetos para a constituição de fichas, e as classificações disponíveis para habitação, técnicas de obtenção do fogo, armas e instrumentos, arcos e flechas, tecelagem e cerâmica. Somavam-se à etnografia e ao folclore, no programa do Curso, uma seção de antropologia, referente a medições, marcadores raciais e análises fisiológicas, e ainda uma aula de lingüística, com a indicação das perguntas a serem feitas e o modo de sistematizar a gramática e a fonética.
A dupla distinção entre etnografia e folclore – fundada numa diferenciação tanto das populações estudadas como de questões de interesse – parece eficaz para organizar os diferentes tipos de pesquisas realizados pelos investigadores associados à SEF, embora a delimitação desses “ramos de pesquisas” estivesse sujeita a oscilações no material aqui considerado. Se a etnografia, num sentido mais restrito de estudo dos povos ameríndios e especialmente de sua cultura material, aparece em apenas três das conferências realizadas em reuniões da Sociedade – pelo catedrático de Etnologia e Tupi-Guarani da USP, Plinio Ayrosa (“Anhangá e Jurupari”) e por Claude Lévi-Strauss (“A civilização material dos índios Kadiueu” e “Algumas bonecas Karajá”) – as pesquisas efetivamente estimuladas pela Sociedade seriam facilmente organizadas sob a rubrica do folclore, mobilizando objetos como “danças”, “festas”, “cerimônias”, “superstições” e suas variantes, na maior parte das vezes acompanhadas pelo adjetivo “popular” [9]. Por outro lado, na fala de abertura do curso de etnografia feita por Mário, a compreensão da cultura brasileira na chave do primitivo e do “caráter nacional” em formação permitia atribuir à etnografia um recorte mais amplo que o das populações ameríndias estudadas por Ayrosa e Lévi-Strauss, visando o que ele definiu como “o conhecimento da formação cultural do nosso povo” (SEF, doc. 3). A primeira parte da definição de “folclore” por Dina Dreyfus insinuava, ademais, que este poderia ser considerado uma parte da etnografia, idéia que ela põe em prática no curso ao dar exemplo de danças e jogos observados entre os Bororo e os Kadiwéu (SEF, docs. 12 e 13) [10].
O primeiro esforço de pesquisa da SEF consistiu na produção de dez “cartas folclóricas” como forma de participação do Departamento de Cultura de São Paulo no Congresso Internacional do Folclore que se realizaria junto à Exposição Universal de Paris em 1937. A “cartografia folclórica” seria o tema de debate metodológico no Congresso; além disso, um conjunto de trabalhos cujas leituras foram compartilhadas por Mário de Andrade e pelo casal Lévi-Strauss tinha na construção de mapas um momento fundamental da produção de conhecimento: os trabalhos do etnólogo alemão Leo Frobenius (1873-1938), do francês Georges Montandon (1879-1944), e dos norte-americanos de origem germânica Alfred Kroeber (1876-1960) e Robert Lowie (1883-1957) [11].
Contribuíram no desenho da metodologia a ser adotada na produção dos mapas o especialista em estatística da Sub-Divisão de Documentação Social do Departamento de Cultura, Bruno Rudolfer, o catedrático de Geografia Humana da USP, Pierre Monbeig, além de Dina Dreyfus (SEF, doc. 68). O material disponível no acervo da SEF relata que a pesquisadora fez uma conferência intitulada “Que é o folclore?” e que Monbeig falou da “representação cartográfica dos fenômenos humanos” (Boletim da Sociedade de Etnografia e Folclore, nº1). Não encontramos registros da fala de Monbeig e da aula de Dreyfus; existe apenas um resumo na ata da quarta reunião da Sociedade, do qual parece faltar uma página, mas que de saída reapresenta a preocupação com a profissionalização da pesquisa e com a posição do folclore na classificação disciplinar:
Em sua ligeira e brilhante palestra, a conferencista delineou o histórico dos estudos folclóricos: a princípio considerados apenas um agradável passatempo, sem valor cientifico, foram mais tarde considerados como ramo da etnografia. O arqueólogo inglês John Thoms foi o primeiro a empregar o termo folk-lore, querendo abranger com estas duas palavras - folk, povo, lore, saber – tudo quanto era designado por “antiguidades populares” e literatura popular. A partir dessa data – 1846 – a expressão folclore foi sendo empregada, encontrando resistência por toda a parte, até que Sebillet a consagrou. À medida que a etnografia fixava seu objeto e seu método científico, o folclore beneficiava desse desenvolvimento [...] pode considerar-se folclore o estudo da tradição popular. Isto é, estudo de quanto o povo sabe, pratica, diz, escreve – distinguindo-se dos conhecimentos científicos, das práticas racionais, da arte, ciência da “sabedoria popular”, da tradição, que merece ser estudada e conservada (SEF, doc. 66).
No Fundo SEF encontram-se também os projetos para o questionário que daria origem aos mapas, que, quando concluído, foi enviado “[...] a todos os inspetores escolares e diretores de grupos, a todos os médicos e juízes de paz [...]”, com a ajuda das casas comerciais de São Paulo que lhes cederam sua lista de clientes (SEF, doc. 290). Bruno Rudolfer, em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo republicada naRevista do Arquivo, comentou os “aspectos folclóricos” a serem mapeados, entre os quais dois parecem se reportar diretamente às pesquisas de Mário de Andrade (cf. Amoroso, 2004) que dariam origem aos trabalhos Danças Dramáticas do Brasil [1934-1944]e Namoros com a Medicina [1937]:
Os temas escolhidos visaram bem representar alguns aspectos folclóricos. As proibições alimentares participam do tema da alimentação quotidiana e, mais particularmente, das crenças e superstições relativas ao alimento. As danças, elemento essencial das festas, se classificam entre as manifestações principais da arte popular. Finalmente, a cura do terçol com anel representa um aspecto especial da “medicina” popular. (RAM nº XXXIX, p. 286).
Ao final do levantamento, os “mapas de folclore” enviados ao Congresso em Paris tinham os seguintes títulos: “Medicina Popular - Cura do terçol com anel”; “Proibições alimentares relativas à manga”; “Danças populares - Samba ou Batuque”; “Danças populares - Cateretê ou Catira”; “Danças populares - Caiapó e suas variantes fonéticas”; “Danças populares - Congada e suas variantes fonéticas”; “Danças populares - Cururu ou Caruru”; “Mapa das unidades territoriais”; “Proibições alimentares - Leite com Frutas”; “Zona estudada”. O último dos mapas é significativo por revelar a extensão da pesquisa: são relativamente poucas as áreas sem levantamentos (SEF, doc. 207) [12].
O contraste visual deste último mapa surpreende, pois a chamada para o envio de informações foi feita de modo precipitado: o convite de Mário aos inspetores de ensino data de 5 de abril e o Congresso se realizaria no final de junho. Isto explica, ao menos em parte, os esforços retóricos de Mário e Dina na divulgação do projeto. Ao Diário da Noite, Mário declarou no início dos trabalhos: “É uma tentativa audaciosa, mas não tentar seria uma covardia. O Congresso Internacional de Folclore que se reunirá em Paris a 25 de junho próximo mandou um convite especial para o Departamento de Cultura fazer-se nele representar com trabalhos seus” (SEF, doc. 290). A carta aos inspetores de ensino era concluída da seguinte forma:
Nem cabe ao Departamento de Cultura enaltecer a colaboração de V. S., porque V. S. participa com a mesma intensidade e vigor do possante organismo do nosso Estado, a principal entidade que se beneficiará deste empreendimento. (RAM nº XXXIV, p. 202)
Nesse convite, o tema do pioneirismo paulista – vigoroso apenas cinco anos depois da Revolução Constitucionalista e recorrente na Revista do Arquivo (Rubino, 1995) – articula o sentido experimental da aplicação do método e o projeto de expansão geográfica da pesquisa a partir da base municipal: “Tratando-se de um empreendimento novo entre nós, bem como na América, a área abrangida por esta primeira tentativa de aplicação de um método científico de estudo dos fatos folclóricos é apenas a do Estado” (RAM nº XXXIV, p. 201). Essa flexibilização de fronteiras, da capital para o estado e do estado para o país, teve seu momento máximo com o envio da Missão de Pesquisas Folclóricas em 1938 ao Norte e Nordeste do Brasil [13].
Em artigo publicado no O Estado de São Paulo, já em meio aos trabalhos com as respostas aos questionários, Dreyfus relatava:
A 5 de abril partiam os primeiros questionários folclóricos redigidos pela Sociedade de Etnografia e Folclore [...] dia a dia as respostas afluíram em número tão considerável que os mais pessimistas se calaram, e os mais otimistas viram ultrapassadas as suas esperanças. Hoje, mais de 700 respostas estão em elaboração[14]. (SEF, doc. 296)
Nesse mesmo artigo, a etnóloga fala do questionário como “[...] instrumento de trabalho coletivo [...]”. Também na abertura do primeiro Boletim da Sociedade de Etnografia e Folclore era reforçado o sentido de esforço coletivo para a instauração de um “trabalho realmente científico”, com ênfase no folclore, mais que na etnografia:
O nosso Boletim a essas pessoas se dirige especialmente, e a quantos interessados da realidade nacional, amantes de nossa gente e suas tradições, queiram se unir conosco para um trabalho realmente científico de folclore, cuja natureza ainda não foi aplicada no Brasil. Nossos trabalhos são de natureza coletiva. Nenhum de nós pessoalmente se exalta com pesquisas e estudos que a Sociedade faz e publica em seu nome. O mérito é de todos e o benefício é nacional. (Boletim da SEF nº 1)
Do ponto de vista do avanço da ciência – o objetivo principal do Congresso de Folclore em Paris fora justamente “[...] promover o acesso do Folclore ao campo das ciências antropológicas [...]” (Boletim da SEF, nº 3) – os mapas contribuíam por permitirem a separação entre o fenômeno folclórico e as fronteiras político-administrativas:
Tais mapas transparentes apresentam vantagens incontestáveis, permitem, de uma só vez, a apresentação destacada do fenômeno independente das divisões e acidentes geográficos que, como dissemos, se vêem no mapa-base e o estabelecimento da correlação de certos fenômenos pela superposição das cartas respectivas que, no caso em apreço, possibilitaram pôr-se em evidência as relações de identidade folclórica em certas zonas (RAM nº XXIX, p. 286).
Os modos de realizar essa separação eram um problema que ocupava a Sub-Divisão de Documentação Social do Departamento de Cultura. Seu encarregado, Sérgio Milliet, apresentou, no Congresso da População realizado no mesmo contexto da Exposição Universal de 1937, um trabalho intitulado “A representação dos fenômenos demográficos”. No texto da conferência, publicado pela Revista do Arquivo, explica-se que o procedimento adotado pela Documentação Social foi organizar os dados do recenseamento estadual de 1935 referentes à cidade de São Paulo por “[...] quarteirões e faces de quarteirão, unidades menores, naturais, quase imutáveis e de grande homogeneidade [...]” em substituição ao recorte nos distritos de paz, “[...] unidades políticas mal-definidas e heterogêneas [...]” (Milliet, 1938, p. 214).
Observando os trabalhos realizados na cidade de São Paulo e publicados na Revista do Arquivo Municipal durante o período de atividade da SEF, encontraremos diversos levantamentos estatísticos sobre a população da cidade de São Paulo, que visavam diagnósticos e previsões quanto ao seu “nível de vida”, à distribuição das diferentes “etnias” e às possibilidades de integração “racial” e “cultural” entre esses grupos. Os mapas produzidos para a apresentação no Congresso da População em Paris, que visavam a “[...] ilustração do método, tão somente [...]”, eram transparentes como os mapas folclóricos e representavam a “Densidade das crianças em idade escolar no quarteirão”, a “Distribuição por quarteirão de brasileiros filhos de brasileiros”, a “Distribuição por quarteirão de brasileiros” e a “Porcentagem de sírios na população geral, por quarteirão” nas regiões da Sé e de Santa Efigênia (RAM XLI, p. 308). Sérgio Milliet reforçava os resultados do recenseamento com uma evocação da paisagem da rua 25 de março:
[...] verificamos que a concentração de orientais-próximos nas ruas 25 de março e adjacentes é enorme. Pois o fato de se compor a população de um bairro da cidade de 3/5 a ¾ de indivíduos pertencentes a determinado grupo cultural estrangeiro indica claramente que o ambiente não pode favorecer a rápida assimilação dos imigrantes. Para comprovar a afirmação bastará caminharmos por aquela rua, ouvirmos a língua falada e a música das lojas, observarmos a comida servida nos restaurantes. A zona quase inteira é essencialmente próximo-oriental (Milliet, 1938, p. 217).
As possibilidades de “assimilação” dos sírios já haviam sido tematizadas em trabalho publicado na Revista do Arquivo pelo Dr. Rafael Paula Souza, do Instituto de Higiene da Faculdade de Medicina. Esse trabalho, sugestivamente intitulado “Contribuição à etnologia paulista”, era definido como um “estudo biotipológico do universitário paulista” que envolveu “[...] 512 estudantes, dos quais somente 11 eram estrangeiros [...]”. O estudo de Paula Souza parece ter se concentrado especialmente na ascendência dos universitários estudados, de modo a aferir o “índice de fusibilidade” de cada “etnia” existente na amostra, usando metodologia e conceitos desenvolvidos pela socióloga americana de origem ucraniana, Bessie Bloom Wessel (1889-1969). Assim, Paula Souza procurava averiguar o quanto cada etnia contribuía com o “melting pot” da elite paulista – as “etnias brasileiras” eram classificadas segundo os Estados de proveniência dos estudantes e seus ascendentes. Os brasileiros de origem síria estudados – pelo que o trecho revela, na sua maioria homens – não pareciam ser muito predispostos à fusão, embora já “paulistanizados”:
[...] nossos resultados mostram que, pelo menos até o presente, a fusão desse grupo na elite que examinamos é muito precária. Concordam eles com os obtidos em diferentes países e sabemos que, embora em vida social íntima com o restante da população, seus enlaces se processam quase sempre entre sua própria colônia. É digna de registro essa preferência, pois apesar de perfeitamente paulistanizados, nos acompanhando mesmo em momentos absolutamente críticos, no matrimônio escolhem as paulistas ou paulistanizadas, mas com ancestrais de sua própria origem, quer por motivos religiosos, princípios educacionais, tradicionais, ou outros (Paula Souza, 1937, p. 101-2).
Embora trate mais da ascendência dos estudantes que de medidas, traços fisionômicos e outros “marcadores raciais”, esse estudo estava em consonância com uma proposta feita por Lévi-Strauss, em 1935, na apresentação de um projeto para a criação de um “Instituto de Antropologia Física e Cultural” da Universidade de São Paulo. O jovem professor sugeriu nessa ocasião testar os resultados do trabalho de Boas com a medição dos corpos dos imigrantes e seus descendentes em Nova York, lembrando as vantagens de uma certeza científica com relação à plasticidade dos tipos físicos, tanto do ponto de vista da ciência, como da política de imigração:
Se as conclusões de Boas devessem ser reconhecidas como erradas, importante contribuição ao estudo do homem teria sido fornecida pelo Brasil. Se, pelo contrário, elas fossem comprovadas, mesmo parcialmente, precioso elemento de informação viria servir a política brasileira da imigração (Lévi-Strauss, 1935, p. 251-252).
Dreyfus, na aula inaugural do curso de etnografia, havia somado à questão “física”, o problema da “síntese” cultural:
[...] saber com precisão e graças a um inquérito completo, quais são as culturas estrangeiras que desaparecem, quais as que subsistem, quais, enfim, as que permanecem, formando com a cultura brasileira uma síntese harmoniosa. Assim poderia ser realizada uma seleção vantajosa para o Brasil nas diversas correntes migratórias, de molde a receber as etnias, cujos elementos utilizáveis se mantêm e progridem, tanto do ponto de vista físico, como do ponto de vista cultural e recusar as que são chamadas a se desagregarem (Dreyfus, 1936b, p. 17).
Nesse sentido, a perspectiva de Paula Souza para o futuro do estado de São Paulo era otimista:
Essa grande capacidade de cruzamento do paulista (19,0% de homogêneos, quando a população universitária conta com 41,8% de ancestrais paulistas), não só com brasileiros por aqui transferidos como com estrangeiros, favorece a fixação definitiva do elemento estranho, já atraído pelas outras condições ambientes favoráveis, abrasileirando rapidamente o estrangeiro e paulistanizando o brasileiro de outras paragens (Paula Souza, 1937, p. 104).
“Homogêneo”, no vocabulário adotado por Paula Souza, queria dizer descendente de indivíduos de “mesma origem”. “Heterogêneo”, por conseguinte, descendente de indivíduos de “origens diversas”. Quando o autor afirma que apenas 19,0% dos paulistas são “homogêneos”, ele na verdade comemora que 81,0% sejam “heterogêneos”, sendo um dos pais de “origem paulista”. O reconhecimento de que o “índice de fusibilidade baixo” de “etnias” como os sírios e japoneses resultava provavelmente de sua imigração recente, e que tenderia a aumentar ao longo do tempo, também contribuía para o tom otimista da avaliação de Paula Souza (Paula Souza, 1937, p. 101). A Revolução Constitucionalista de 1932 somava-se, por fim, às provas da potencial “miscigenação paulista” – o que demandava a recusa de algum caráter separatista na comemoração dos resultados:
É essa miscigenação paulista que permite a conservação de nossa nacionalidade, chegando mesmo até ao regionalismo do estrangeiro aqui radicado, como se observou na revolução de 1932, em que a bandeira, levantada por São Paulo, congregou todos os habitantes do Estado. [...] A formação do caráter nacional tem aqui forte reduto, e seu acusado regionalismo não implica idéias seccionistas enraizadas. Ser regionalista é ser patriota e esse grupo heterógeno, que compõe São Paulo, o é ascendramente. (Paula Souza, 1937, p. 104-105)
Um outro trabalho, “Pesquisa sobre a mancha pigmentária congênita na cidade de São Paulo”, realizado como conclusão do Curso de Etnografia pelas alunas da Faculdade de Filosofia, Cecília Castro e Silva e Maria Stella Guimarães, também contabilizava a ascendência dos habitantes de São Paulo, mas dessa vez, associada a um “marcador racial” em particular, a “mancha mongólica” ou “mancha pigmentária congênita”, objeto de uma das aulas de “antropologia física” do curso. Essa pesquisa era a continuação de levantamentos realizados por Dina Dreyfus em 1935, na Clínica Obstetrícia da Faculdade de Medicina de São Paulo, para, segundo Lévi-Strauss, “estabelecer no Brasil estatísticas da freqüência dessa importante característica racial que é a mancha mongólica, atualmente em vias de elaboração no Laboratório de Antropologia de Paris” (Lévi-Strauss, 1935, p. 252). O principal problema com o qual essas estatísticas contribuiriam era, conforme explicou Dina em uma das aulas de antropologia física, determinar “[...] a difusão da raça mongólica no mundo [...]” (SEF, doc. 6), contribuindo, provavelmente, com o problema do povoamento do continente americano – no qual trabalhava, especialmente, Paul Rivet, primeiro diretor do Museu do Homem de Paris, fundado em 1937.
Entre agosto de 1936 e março de 1937, Castro e Silva e Guimarães se dedicaram, a “examinar” um total de 600 recém-nascidos e a entrevistar suas mães. O levantamento foi, ao menos em parte, financiado pelo Departamento de Cultura, que imprimiu as fichas timbradas (“Departamento de Cultura – Divisão de Expansão Cultural”) utilizadas pelas duas estudantes (Castro e Silva; Guimarães, 1937, p. 48-49). O vereador Antonio Vicente de Azevedo, respondendo na Câmara Municipal às críticas feitas em fins de 1936 aos gastos do Departamento de Cultura pelo vereador Silvio Margarido, lembrou ser “[... ] a primeira vez que se faz no Brasil esta importantíssima pesquisa antropológica [...]” (RAM nº XXVIII, p. 292). Foi essa, no entanto, a única adesão, entre os alunos do Curso de Etnografia, ao programa de antropologia física.
Samuel Lowrie, professor da Escola Livre de Sociologia e Política, também analisou levantamentos da ascendência de crianças que freqüentavam os Parques Infantis da Prefeitura (Lowrie, 1937a, 1937b). O trabalho de Lowrie em torno da ascendência das crianças ainda se desdobraria, pela agregação dos dados recolhidos nas pesquisas de Paula Souza, Castro e Silva e Guimarães, no artigo “Origem da população da cidade de São Paulo e diferenciação das classes sociais” (Lowrie, 1938), na direção de outros levantamentos do “nível de vida” e de outros “problemas sociais” realizados no quadro do Departamento [15].
Se os levantamentos estatísticos na cidade de São Paulo visavam especialmente o delineamento de políticas públicas, os folclóricos, por sua vez, tinham como tarefa anterior a promoção da pesquisa “científica”, em folclore fosse através da realização de pesquisa “coletiva” por “pesquisadores em arquivos e em bibliotecas”, como se especificou nos seus Estatutos (SEF, doc. 60), fosse pelos esforços de adequação da produção dos “pesquisadores não profissionais” dispersos em São Paulo e no Brasil. Através da produção de arquivos e mapas, a SEF articulou diversas formas de pesquisa que eram praticadas pelos pesquisadores nela envolvidos. O primeiro projeto da Sociedade nesse sentido referia-se à produção de um “vocabulário etnográfico nacional”, segundo proposta feita por Dina ainda em 1936 [16]. Esse vocabulário, também chamado “dicionário etnográfico e folclórico”, contemplaria, segundo projeto esboçado por Mário, “termos técnicos da ciência etnográfica e folclórica”, como “frátria” e “termos técnicos de natureza etnográfica e folclórica”, como nos explicam os exemplos listados, “puíta” e “dandão”,um léxico das manifestações folclóricas e da cultura material no Brasil [17] (SEF, doc. 351).
Assumindo a tarefa de recolher as informações dispersas na literatura já existente sobre o folclore, a SEF começa, em dezembro de 1937, a organizar uma cronologia das festas populares brasileiras. Esse tipo de trabalho em arquivo tinha afinidades com as investigações não só de Plinio Ayrosa, membro do Instituto Histórico e Geográfico, mas também com as de Mário de Andrade e as de Lévi-Strauss, que complementavam suas observações de campo com informações de fontes diversas, de modo a rastrear a distribuição e o percurso histórico dos fenômenos estudados.
A reconstituição histórica das origens e desenvolvimento dos “aspectos culturais” associados à “formação cultural do nosso povo” era a finalidade última também da utilização da cartografia como forma de sistematizar as informações “etnográficas e folclóricas” recolhidas pelos pesquisadores. Do ponto de vista do estímulo a esse tipo de pesquisa e da constituição da “etnografia” e do “folclore” como disciplinas científicas, no entanto, a realização dos mapas foi interrompida numa etapa preliminar: a constituição de uma rede de pesquisadores leigos distribuídos pelo estado de São Paulo. Esses pesquisadores, que receberam o título de “delegados” da Sociedade de Etnografia e Folclore, foram selecionados segundo a qualidade das respostas aos questionários pelo “conselho técnico” da SEF – composto por Bruno Rudolfer, Dina Dreyfus, Lévi-Strauss, Rafael Paula Souza, Plínio Ayrosa e Oneyda Alvarenga.
A convocatória em torno dos mapas e a constituição dos delegados da SEF teve, ainda, o efeito de mobilizar os autores de trabalhos sobre folclore em torno do envio de informações manuscritas, artigos e fotografias para a SEF, anexos a diversas das cartas recebidas – obrigação, de resto, regulamentada em estatuto:
Art. 32 – A Sociedade poderá designar entre seus membros residentes ou correspondentes, por indicação do conselho técnico, delegados aos quais se atribuirá a seguinte missão, relativa ao bairro, cidade ou região de que se incumbir:
1) – Trazer a Sociedade ao corrente de qualquer acontecimento de interesse etnográfico ou folclórico;
2) – Tomar a iniciativa de pesquisas etnográficas e folclóricas;
3) – Colaborar com os poderes públicos para assegurar a proteção, conservação e preservação de todos os documentos ou manifestações de caráter etnográfico e folclórico (SEF, doc. 60).
Encontramos no arquivo da SEF materiais diversos enviados pelos delegados no ano e meio em que a Sociedade esteve ativa. O jornalista Luiz Valio, delegado para os municípios de São Miguel Arcanjo, Pilar e Capão Bonito, por exemplo, encaminhou em novembro de 1937 fotografias de uma feira de palmitos, da fabricação do fumo de corda e da cidade de São Miguel: o largo da Matriz, estradas que ali chegavam, uma bomba a gás. Valio prometeu enviar informações sobre a “festa folclórica” no bairro do Taquaral, em São Miguel Arcanjo, assim como trabalhos de sua autoria publicados na imprensa local (SEF, docs. 75, 227). O professor Virgílio H. de Leme D’Ávila, delegado da SEF em Pinheiros, Vale do Paraíba, encaminhou o trabalho “O Rei Congo no Brasil” (SEF, doc. 90), que chegou a ser lido em reunião da SEF. De Gentil de Camargo, jornalista e delegado da SEF na região de Taubaté, Tremembé, Pindamonhangaba e no distrito de paz de Quiririm (e, eventualmente, S. Luís do Paraitinga e Ubatuba), foi publicado naRevista do Arquivo um “excerto do apêndice” de seu livro Sintaxe Caipira do Vale do Paraíba (então no prelo), onde tratou de temas afins aos dos mapas folclóricos – alimentação, receitas e tabus alimentares (com 21 tabus listados) – e apresentou desenhos de cozinhas “caipiras” e seus utensílios (Camargo, 1937). José Pedro Camões, organizador técnico do Museu Histórico Municipal de Taubaté e também delegado da SEF, remeteu uma notícia sobre a abolição da escravidão em Taubaté. A. de Faria, advogado e delegado em Guará, mandou um “estudo sobre o fiado”, intitulado “Pequena contribuição para o nosso folclore” (SEF, doc. 211).

Entre os sócios da SEF que se encontravam fora de São Paulo, Sebastião Almeida de Oliveira, tabelião em Tanabi, enviou no fim de 1937 o artigo “Anotações para o Folclore Negro” (SEF, doc. 238) e, pouco depois, “A cruz no folclore tanabiense” (SEF, doc. 249), escrito segundo as instruções preparadas por Dina Dreyfus que haviam sido publicadas no terceiro Boletim. Do interior de São Paulo foram também recebidos os trabalhos “Congadas”, de Mário Pinto da Luz (SEF, doc. 111), a monografia “Araraquara”, de Mota Coqueiro [18] (SEF, doc. 82), além de notas, muitas vezes manuscritas, sobre “usos e costumes”, “crendices”, “superstições” e outros tipos de “aspectos folclóricos” enviados por correspondentes, vinculados formalmente ou não à SEF.

Aproximando-nos agora das pesquisas de campo realizadas pelos sócios da SEF, encontramos na correspondência convites de delegados para visitas a festas populares, provavelmente motivados pela decisão de “[...] organizar passeios-conferências cujas possibilidades de realização prática ela se propõe examinar [...]”, comunicada no segundo Boletim. Idas coletivas a festas já haviam sido organizadas por esse grupo desde a época do Curso de Etnografia. Uma delas foi bastante documentada: a viagem à festa do Divino Espírito Santo de 1936 em Mogi das Cruzes.

No artigo “A entrada dos palmitos”, Mário de Andrade relata sua ida à festa em Mogi, em 30 de maio de 1936, para a realização de pesquisa de campo. Um dos rituais da festa lhe sugeria uma interpretação baseada no Ramo de Ouro (1890) de James Frazer (1854-1941):

Chegado a Mogi pelas doze horas do dia 30, para organizar as filmagens que o Departamento de Cultura realizaria no dia seguinte, cuidei de indagar o que era essa “Entrada dos Palmitos”. Infelizmente perdera a cerimônia que é tradicionalmente às primeiras horas da manhã. Como julgo ver nessa festa uma curiosa e ainda viva reminiscência do culto do vegetal da primavera no Brasil, venho comunicá-la para que os conhecedores mais completos dos costumes nacionais liguem a festa mogiana a outras do país e a estudem como tradição importada (Andrade, 1937a, p. 51).

Os filmes a que Mário se refere aqui são: “Festejos populares em Mogi das Cruzes – Cavalhada”, “Moçambique – Festa do Divino em Mogi das Cruzes”, “Festa do Divino Espírito Santo” e “Congada – Festa do Divino em Mogi das Cruzes”, os dois últimos assinados pelo casal Lévi-Strauss. Dina Dreyfus comentou em sua aula sobre “a dança e o drama” que “[...] A representação dramática é particularmente observável nas festas regionais. Nestas ocasiões – como por exemplo observou-se recentemente em Mogi das Cruzes – formam-se às vezes verdadeiras companhias temporárias de atores [...]” (SEF, doc. 12) [19].

Uma viagem à festa do Bom Jesus de Pirapora em 1937 é mais parecida com o que se poderia esperar de um “passeio-conferência”. Nessa ocasião, Mário Wagner Vieira da Cunha – aluno da Escola Livre de Sociologia e Política que apresentara como monografia final ao Curso de Etnografia um texto intitulado “Descrição da festa do Bom Jesus de Pirapora” – retorna à festa acompanhado do secretário de Mário de Andrade, José Bento Faria Ferraz, e de Lévi-Strauss, supomos que acompanhado por Dreyfus, primeira secretária da SEF. Mário de Andrade afirma ter apenas “[parado] uma noite [...]” na cidade para ver o samba, numa “[...] viagem que não se destinara especialmente a isso [...]”, mas suas anotações, e as de José Bento, constituíram a base do artigo “O Samba Rural Paulista” (Andrade, 1937). Pode-se dizer com alguma certeza que Lévi-Strauss foi a Pirapora nessa ocasião porque suas fotos de Pirapora (1994, p. 38-43) mostram o samba realizado na rua – fato inusual, pois as danças costumavam acontecer num “barracão” onde se alojava a população negra que freqüentava a festa. Como explica Mário Wagner:

Havíamos, no primeiro ano, observado uma forte reação da festa religiosa contra o desenvolvimento crescente da festa profana. Os pregadores religiosos censuravam, aqueles que vinham a Pirapora e se entregavam a toda sorte de pecados, esquecidos de seus deveres para com o Santo. Os seminaristas não saíam mais nas procissões porque se deseja proteger suas almas da contemplação de cenas e gestos indecorosos, tão comuns, nesses dias, pelas ruas de Pirapora. Em 1937, esta reação foi maior e mais direta: proibiu-se o samba no Barracão. Dada a conhecer com muita antecedência e tendo sido muito divulgada, esta proibição teve o efeito de fazer com que muitas pessoas deixassem, este ano, de vir para as festas. A acorrência era inferior à terça parte da do ano anterior. Por outro lado, essa proibição prejudicou extraordinariamente o samba. Foi preciso improvisar, de uma hora para outra, novo local para dançar. Sambaram no meio da rua. Uma poeira sufocante. Automóveis que, debaixo de um tinir enervante de buzina, se intrometiam no meio do grupo de dançadores. E muitas vezes o samba se dissolveu por causa da chuva. (Cunha, 1937, p. 30)

O quinto Boletim noticia outro tipo de trabalho conjunto: a partir das observações realizadas por Sara Ramos, aluna do Curso de Etnografia, nas cavalhadas de Franca em 1936, são realizadas três conferências em 26 de janeiro de 1938:Sara Ramos descreve as cavalhadas de Franca; Oneyda Alvarenga apresenta um levantamento de “notícias bibliográficas sobre cavalhadas” no Brasil e Mário de Andrade, um levantamento sobre a origem ibérica das cavalhadas. ...







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  1. por favor me ajude, minha avo percilia pereira da silva nasceu em são miguel arcanjo em 1905 e se casou ai com eduardo ferreira de proença ela era filha de jão antonio sobriho e gabriela maria da conceição tbm se casou ai em são miguel, quem tiver mais detalhe me passe por gentileza, renabelproenca@hotmail.com, pois moro em goias, fica muito longe pra eu pesquisar,obrigada

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  2. Olá Luiza, Meu avó foi Benedito de Souza, gostaria de saber se você teria algum arquivo ou documentação sobre ele e sua esposa, bem como pais e filhos, estou escrevendo minha arvore genialogica e não ocnsigo encontrar nada sobre ele, se puder ajuda ficarei eternamente agradecida, não moro em São Miguel Arcanjo e atualmente não consigo ir na cidade. Desde já agradeço. meu email é aniram.olipa@gmail.com

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